março 13, 2013

Holzwege I

"Pois não foi a filosofia de Heidegger, e pode-se com justiça indagar se ela existe (como o faz Jean Beaufret), mas sim o pensar de Heidegger que contribuiu para determinar tão decisivamente a fisionomia espiritual do século XX. Este pensar tem uma qualidade de abertura que lhe é exclusiva e, para apreendê-la e indicá-la em palavras, reside no uso transitivo do verbo "pensar". Heidegger jamais pensa "sobre" alguma coisa; ele pensa alguma coisa. Nessa atividade absolutamente não contemplativa, mergulha nas profundezas, mas não se trata, nessa dimensão -da qual se poderia dizer que antes permanecia, dessa maneira e com essa precisão, pura e simplesmente não descoberta-, de descobrir ou revelar um solo último e seguro, mantendo-se nas profundezas, de abrir caminhos e colocar "pontos de referência" (Wegmarken é o título da coletânea de textos dos anos 1929-1962). Este pensar pode se propor tarefas, pode se atrelar a "problemas", e mesmo naturalmente tem sempre algo de específico com que se ocupa ou, mais precisamente,  com que se estimula; mas não se pode dizer que há um fim. Está permanentemente em atuação, e mesmo a formação dos caminhos serve antes à abertura de uma dimensão do que à realização de um fim previamente estabelecido. Os caminhos podem ser pacíficos "caminhos florestais" (Holzwege é o título de uma coletânea de ensaios dos anos 1936-1946) que, por não conduzirem a um fim estabelecido fora da floresta e "se perdem de repente no não-aberto", são incomparavelmente mais adequados para quem ama a floresta e nela se sente à vontade do que as rotas de problemas cuidadosamente traçadas onde se acotovelam as pesquisas dos especialistas em filosofia e ciências humanas. Em alemão, a metáfora dos "caminhos florestais" exprime algo muito essencial, não só que, como sugere o termo alemão, a pessoa está engajada num "caminho que não leva a lugar nenhum", do qual ela não se afasta, mas também que, como o lenhador, cujo assunto é a floresta, segue caminhos que ela mesma desbravou, e esse desbravamento faz parte do ofício tanto quanto a derrubada das árvores."

Arendt, H. Homens em tempos sombrios, São Paulo: Companhia das Letras, 2008

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