agosto 15, 2012

II

" (...)
IV

Um dia fui o asno de Apuléius.
Depois fui Lucius, Lucas, fui Roxana.
Fui mãe e meretriz e na Betânia
Toquei o intocado e vi Jeshua.
(Ele tocou-me o ombro aquele Jeshua pálido).

Um tempo fui ninguém: sussurro, hálito.
Alguém passou, diziam? Ninguém, ninguém.

Agora sou escombros de um alguém.
Só caminhada e estio. Carrego fardos

Aves, patos, esses que vão morrer.
Iguais a mim também.


(...)

VIII

Palha
Trapos
Uma só vez o musgo das fontes
O indizível casqueando o nada

Essa sou eu.

Poeta e mula
(Aunque pueda parecer
Que del poeta es locura)."



Mula de Deus - Hilda Hilst (1930-2004)

I

"O que é o homem? Um vaso que pode quebrar-se ao menor abalo, ao menor movimento. Não é necessária uma grande tempestade para que se destrua; bata onde bater, se dissolverá. O que é o homem? Um corpo débil e frágil, desnudo, indefeso por sua própria natureza, que tem necessidade do auxílio alheio, exposto a todos os danos do destino; um corpo que quando exerceu bem os seus músculos, é pasto de qualquer fera, é vítima de qualquer uma; composto de matéria inconsistente e mole e brilhante somente nas feições exteriores; incapaz de suportar o frio, o calor, a fadiga e, por outro lado, destinado à desagregação pela inércia da ociosidade; um corpo preocupado com seus alimentos, por cuja carência ora se enfraquece, por cujo excesso ora se rompe; um corpo angustiado e inquieto por sua conservação, provido de uma respiração precária e pouco firme, a qual um forte ruído repentino perturba; um corpo que é fonte doentia e inútil, de contínuo perigo para si mesmo. Admiramo-nos da morte neste corpo, a qual não precisa senão de um suspiro?"

Cartas Consolatórias - Sêneca