junho 20, 2018

Mas a recordação daquele dia ainda me serve de alento, ajudando-me a aceitar com idêntico ânimo as coisas que nos arrebatam e as que nos abatem. No momento difícil em que estamos, que outra coisa posso desejar senão que nada seja excluído e que aprendamos a trançar o fio branco junto ao fio negro numa mesma corda retesada, prestes a romper-se? (...) para os homens de hoje existe um caminho interior que conheço bem, por tê-lo percorrido em seus dois sentidos: o caminho que vai das colinas do espírito às capitais do crime. E, certamente, podemos sempre descansar, adormecer sobre a colina ou, então, fazer do crime nossa morada habitual. Mas, a partir do momento em que renunciarmos a uma parcela daquilo que é, é necessário que renunciemos, nós mesmos, a ser. Portanto, é necessário renunciar a viver ou a amar de uma outra maneira que não seja por procuração. Assim, existe uma vontade de viver sem nada recusar da vida que é a virtude que mais aprecio no mundo.  


Albert Camus, Regresso a Tipasa, em Núpcias, O Verão